Projeto aprovado livra de punição agentes
disfarçados de bandidos. Proposta cria novas ferramentas de combate às
organizações criminosas
por Edson Sardinha e Eduardo Militão | 05/12/2012 17:52
O plenário da Câmara aprovou, em votação
simbólica, projeto de lei que introduz na legislação brasileira o
conceito de organização criminosa, atualmente confundido com o crime de
formação de quadrilha ou bando, e regulamenta diversos meios de
investigação, como a infiltração policial e o acesso a dados não
cadastrais sem autorização judicial. A proposta, de autoria da
ex-senadora Serys Slhessarenko (PT-MT), foi aprovada na forma de
substitutivo, apresentado pelo deputado Vieira da Cunha (PDT-RS). O
projeto, segundo representantes do Ministério Público e da Polícia
Federal, preenche lacunas legislativas que prejudicam atualmente o
combate ao crime organizado. A proposta entrou na pauta desta tarde após
a apresentação de um requerimento de urgência, proposto por Vieira da
Cunha e apoiado pelos líderes partidários. Como foi alterado na Câmara, o
texto retornará ao Senado, ao qual caberá a palavra final sobre a
proposição. Como mostrou hoje (5) o Congresso em Foco, caso esse projeto
vire lei, um agente policial poderá se infiltrar em organizações
criminosas e cometer crimes sem correr o risco de ser punido pela
Justiça. Vieira da Cunha, entretanto, reforça que isso só será permitido
em situação extremas, quando o policial não tiver outra alternativa.
Investigadores passarão a ter acesso a dados como número do cartão de
crédito, endereço e telefone de suspeitos de integrarem organizações
criminosas sem a necessidade de autorização judicial. Também terão
direito a retardar uma operação até chegar aos chefes da organização
criminosa sem o temor de serem responsabilizados caso a estratégia
fracasse. Projeto libera crimes cometidos por policiais infiltrados
Falta de regras atrapalha investigação de criminosos.
Polêmica
A principal polêmica no projeto é um
efeito colateral dele. Infiltrados, os policiais poderiam cometer
qualquer tipo de crime isentos de punição. Em tese, assassinatos,
sequestros, tortura, estupro… Durante os debates do Projeto de Lei
6578/09, chegou-se a colocar exceções à liberdade de agir do agente
infiltrado. Mas isso poderia causar mais problemas. O Ministério da
Justiça convenceu os parlamentares que as quadrilhas, quando
desconfiassem da infiltração de um policial na organização criminosa,
criariam “rituais” para testar o suposto traidor do bando. Poderiam, por
exemplo, obrigar o policial disfarçado a matar um homem, estuprar uma
mulher ou torturar alguém. “Você achar um policial que se dispõe a isso é
muito difícil exatamente por causa do risco. Se você criar na lei um
risco outro que o risco de vida, você nunca vai conseguir utilizar essa
ferramenta na investigação”, afirmou Campos, que é delegado da Polícia
Civil. Mas o artigo 13 do texto faz uma exceção. O crimes não será
punido apenas “quando inexigível conduta diversa”. Mesmo assim, haverá a
possibilidade de situações-limite em que o agente poderá, por exemplo,
assaltar um banco ou atirar contra pessoas ou policiais. Vieira da Cunha
afirmou que essas situações só poderão ser observadas com casos
concretos. Relator da matéria na Comissão de Segurança da Câmara, o
deputado João Campos (PSDB-GO), lembra que o policial precisa de ao
menos uma garantia porque é difícil encontrar agentes que aceitem os
riscos de participara de uma missão de infiltração em organizações
criminosas. “É uma agenda extremamente positiva, a maior resposta que o
Legislativo brasileiro pode dar a essa onde violência em São Paulo e
Santa Catarina”, avalia o presidente da Associação Nacional dos
Delegados da Polícia Federal (ADPF), Marcos Leôncio Sousa Ribeiro. Para o
delegado federal, o projeto de lei afasta a insegurança jurídica que
atrapalha as investigações sobre o crime organizado. Para o presidente
da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), César
Mattar Júnior, a mudança na legislação é fundamental para coibir a ação
de grupos criminosos. “Estamos vivendo uma verdadeira guerra civil
camuflada. De um lado, a bandidagem, o terrorismo urbano, e de outro o
cidadão comum. Nós temos de parar de ter receio de proteger os cidadãos
de bem por temer represália do poder criminoso”, considera.
Convenção de Palermo
O Projeto de Lei 6.578 ajusta a Lei
9.034/95 à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado
Transnacional, a chamada Convenção de Palermo. Apesar de ser considerado
mais grave e sofisticado, o crime de organização criminosa tem sido
tratado como formação de quadrilha ou bando, punível hoje com prisão de
um a três anos. O texto aprovado qualifica como organização criminosa o
grupo de três ou mais pessoas que se organiza, com divisão de tarefas,
para cometer crimes graves, com pena máxima de quatro anos ou mais ou de
caráter transnacional. O substitutivo do relator prevê, nesses casos,
pena de três a oito anos de prisão. Vieira da Cunha rebatiza o crime de
formação de quadrilha ou bando como “associação criminosa”, deixando-o
apenas para os casos de menor gravidade, com pena de um a três anos de
prisão. “A ideia é tornar a lei mais eficaz e separar os crimes de maior
gravidade”, conta o deputado. Ou seja, um grupo de batedores de
carteira seria enquadrado como associação criminosa. Integrantes de
facções criminosas ou de máfias com atuação no serviço público teriam de
responder na Justiça como organização criminosa. A pena aumenta em até
50% se houver emprego de arma de fogo. E cresce de um sexto a dois
terços quando há participação de menor de idade ou funcionário público. A
proposta alcança, inclusive, pessoas que promovem fraudes em licitações
ou concursos públicos e financiam a campanha de candidatos com o
objetivo de representar os interesses dos criminosos.
O QUE DIZ A LEI Cria a Lei de Combate às Organizações Criminosas:
1- Cria o crime de organização criminosa.
Deve ser uma organização estruturada com nível hierárquico composta
por, no mínimo, quatro pessoas. Os crimes praticados precisam ter penas
máximas superiores a 4 anos de cadeia ou ter caráter internacional. Sem
esses critérios, não haverá organização criminosa, mas “associação”.
2- Muda o nome do crime de “formação de quadrilha” para “associação criminosa”.
3- Permite que o policial infiltrado em
organizações criminosas cometa crimes, ainda que assassinatos, estupros e
torturas. Mas isso será permitido apenas se a prática ilegal for
impossível de ser evitada. Nesse caso específico, o juiz não poderá
punir o agente infiltrado.
4- Cria normas mais claras para o uso da
delação premiada, o ato de confessar um crime, revelar a identidade e a
extensão de uma organização em troca de uma redução de pena.
5- Cria normas mais claras para o uso da
ação controlada, o ato de retardar a repressão e a investigação sobre um
crime com o objetivo de verificar a real extensão dele.
6- Permite que os policiais, sem
autorização judicial, tenham acesso a dados não-sigilosos dos
investigados nas empresas e prestadoras de serviços públicos. Cria uma
punição às empresas que se negarem a informar dados que nada têm a ver
com sigilo bancário, fiscal ou telefônico.
7- Cria prazos maiores para os
investigadores e os juízes tomarem decisões quando os inquéritos e
processos judiciais versarem sobre organizações criminosas.
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