domingo, 14 de abril de 2013

O mesmo peso e duas medidas


O estranho caso do inglês que Lewandowski mandou prender e depois soltar

O britânico Michael Misick foi detido pela Polícia Federal no aeroporto do Rio de Janeiro quando tentava embarcar para São Paulo

DIEGO ESCOSTEGUY, COM FLÁVIA TAVARES

Às 6 horas do dia 7 de dezembro do ano passado, o britânico Michael Misick foi preso por duas equipes da Polícia Federal no Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, quando tentava embarcar para São Paulo. Os policiais cumpriam ordem do ministro do Supremo Tribunal FederalRicardo Lewandowski. Dias antes, Lewandowski fora alertado pela Embaixada do Reino Unidode que havia um mandado de prisão contra Misick, expedido pela Justiça britânica nas diminutas Ilhas Turcos e Caicos, no Caribe. As 40 ilhas que formam o pequeno arquipélago são um protetorado britânico do tamanho de Belém, Pará, que vive do turismo em suas praias exuberantes. Misick, natural de lá, foi primeiro-ministro das Ilhas entre 2003 e 2009. Ele fugiu para o Brasil há dois anos, depois que as autoridades britânicas descobriram que cobrava propina de empresários interessados em abrir resorts nas Ilhas – e pouco antes de a Justiça de lá mandar prendê-lo por corrupção e formação de quadrilha. Misick, que tem uma fortuna avaliada em US$ 180 milhões, recebeu, de oito empresários, ao menos US$ 16 milhões em suas contas nosEstados Unidos. Em contrapartida, o governo que ele chefiava autorizou a construção de resorts de luxo frequentados por famosos, como Bill Gates e Bruce Willis.

O Reino Unido, valendo-se de um tratado de extradição assinado com o Brasil, pediu a Lewandowski, relator do processo, que devolvesse Misick às Ilhas Turcos e Caicos. Nesses casos, a lei prevê a prisão como primeira etapa da extradição, para assegurar que o estrangeiro não fuja – o que se cumpriu naquele dia no Aeroporto Santos Dumont. Para completar a extradição, bastava que, em seguida, o Reino Unido enviasse ao Brasil um pedido formal, repleto de assinaturas burocráticas, e documentos do processo contra Misick. O Reino Unido mandou a papelada, mas Lewandowski não mandou Misick para os ingleses. Mandou Misick para casa.

O caso de Misick, que era apenas inusitado, ficou estranho no começo de fevereiro. No dia 6, apesar de um parecer contrário da Procuradoria-Geral da República e da tradição do Supremo nesses casos, Lewandowski, citando um atraso do Reino Unido no envio do pedido de extradição ao Brasil, mandou soltar Misick. “Diante do descumprimento das formalidades essenciais por parte do Estado Requerente (o Reino Unido), previstas no tratado, para a manutenção da prisão do extraditando, consigno que a expedição do competente alvará de soltura em favor deste é medida que não pode ser postergada”, escreveu. Em situações como essa, os ministros do Supremo, cientes dos labirintos da burocracia de Brasília, costumam manter a prisão, concedendo novo prazo às autoridades do país interessado. A inovação jurídica de Lewandowski virou constrangimento diplomático dias depois, quando o Ministério da Justiça repassou ao Supremo a papelada do Reino Unido – que fora entregue ao Itamaraty no dia 28 de janeiro, antes de vencer o prazo de 60 dias, estabelecido no tratado entre os dois países. Os britânicos agiram corretamente: o tratado prevê que a papelada seja entregue ao Estado brasileiro, não à Suprema Corte. Pelo tratado, mesmo que o Reino Unido tivesse entregado a papelada após o prazo, a extradição voltaria a tramitar normalmente, assim que os documentos chegassem.
(Antes de continuar com o estranho caso, é importante fazer um parêntese. Misick contratara um advogado para defendê-lo no STF: Luiz Eduardo Green­halgh, ex-deputado pelo PT de São Paulo. Seria um advogado para lá de comum, não fosse seu privilegiado acesso aos gabinetes de Brasília ocupados por petistas, sobretudo os petistas de São Paulo. Lewandowski, que é de São Bernardo do Campo, mesma cidade do ex-presidente Lula, foi nomeado para o Supremo com o apoio do PT paulista – o PT de Greenhalgh. Fecha parêntese.) 

Diante da descoberta de que o Reino Unido não havia sequer estourado o prazo, o que fez Lewandowski? Manteve sua decisão – e foi além. No dia 18, suspendeu o processo de extradição até que o Ministério da Justiça avaliasse um recurso de Greenhalgh, que pediu ao governo Dilma refúgio político a Mi­sick. Nesse momento, Lewandowski inovou novamente. É, no mínimo, incomum que se suspenda uma extradição até que se esgotem todos os recursos de um refúgio. Quando chegou ao Brasil, ainda em 2011, Mi­sick disse que estava sendo investigado por “lutar contra a ditadura britânica e pela independência” de Turcos e Caicos. Nada disse sobre os comprovantes de propina.

No ano passado, o refúgio foi negado pelo Conselho Nacional de Refugiados (Conare), o órgão do governo que decide sobre esses assuntos. Pelas leis brasileiras, se o Conare tivesse decidido que Misick merecia o refúgio, em virtude de uma perseguição política em seu país, o processo de extradição no Supremo seria extinto. Mas não foi o que aconteceu. Greenhalgh recorreu, então, ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, também do PT paulista, que poderia reverter a decisão do Conare. Embora tenha sido aconselhado por assessores a não dar o refúgio, Cardozo não tem prazo para decidir isso – o que pode garantir a liberdade de Misick indefinidamente. No célebre caso do refúgio do guerrilheiro Cesare Battisti, o italiano permaneceu preso não só após o Conare negar-lhe o refúgio, mas também depois que o então ministro da Justiça, Tarso Genro, reviu essa decisão e lhe concedeu asilo político.

Na mesma decisão do dia 18 de fevereiro, Lewandowski aproveitou para dizer por que soltara Misick: “A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal permite o afastamento dessa regra (a prisão) em casos excepcionalíssimos”. O que torna o caso de Misick excepcionalíssimo? Lewandowski não explica. Diz apenas que “a prisão (...) para fins de extradição também se submete aos princípios da necessidade, razoabilidade e proporcionalidade, devendo ser avaliada, caso a caso, a necessidade de sua imposição”. Lewandowski determinou, contudo, que Misick entregasse o passaporte à Justiça, proibiu-o de deixar o Estado de São Paulo e lhe impôs visitas semanais a um juiz. Dias depois, a Procuradoria-Geral da República pediu a Lewandowski que reconsiderasse essa decisão e mandasse prender Misick novamente. Em vão. “O pedido (de extradição) foi formalizado, não há excesso de prazo, pois o processo de extradição recém teve início, não se vislumbra prescrição nem deficiência na documentação apresentada (pelo Reino Unido). Não há notícia de que (Misick) tenha algum problema de saúde”, diz a Procuradoria-Geral da República, argumentando também que o pedido de refúgio não é motivo para manter Misick solto. O governo do Reino Unido também recorreu. Os britânicos temem que Misick fuja. “A simples retenção do passaporte e a obrigação de se apresentar à Justiça a cada sete dias não são medidas bastante efetivas”, dizem, em petição, os advogados do Reino Unido. Procurado, o advogado que representa o Reino Unido no STF, Antenor Madruga, não quis se pronunciar.

Lewandowski diz que a atuação de Greenhalgh não fez diferença no caso: “Recebi Greenhalgh como recebo todos os advogados. Recebi também as autoridades britânicas”. O ministro diz que o entendimento do Supremo sobre a prisão em casos de extradição está mudando. “Um indivíduo não pode ficar preso indefinidamente, sem prazo. Isso é inconcebível. É preciso respeitar as garantias individuais”, diz Lewandowski. “Entre mantê-lo preso indefinidamente e soltá-lo, optei por um caminho intermediário. Ele está confinado ao Estado de São Paulo e sob vigilância da Polícia Federal.” Será? “Não estamos monitorando se Misick cumpre as obrigações estabelecidas pelo STF. Ficamos de olho em qualquer notícia sobre ele, já que ele está no Cadastro de Procurados da Interpol, mas não o monitoramos tão de perto”, diz o delegado da PF Orlando Nunes, um dos chefes da Interpol no Brasil.

A preocupação humanista de Lewandowski é recente. Há três anos, ele aceitou um pedido da Polônia para prender o comerciante Krzysztof Dechton, que emigrara para o Brasil havia dez anos, era casado com uma brasileira e tinha com ela um filho de 3 anos. Dechton era acusado pelo governo polonês de ter falsificado documentos para obter um empréstimo que lhe permitisse comprar um computador e uma impressora. O polonês foi preso na véspera do Natal. Na mesma época, a Polônia enviou pedidos de extradição semelhantes ao mundo inteiro – havia pedidos de extradição por furto de barras de chocolate e de celular. Nesse caso, Lewandowski foi duro: “(Dechton) tem a personalidade voltada para a prática reiterada de crimes, tendo buscado, no Brasil, refúgio para garantir sua impunidade. A prisão faz-se necessária, também, pois, como se percebe dos autos, o cidadão estrangeiro evadiu-se logo após a prática dos delitos, de modo que não se pode esperar que, solto, aguardará o julgamento, seja qual for a decisão, ao final, tomada por esta Suprema Corte”. O polonês ficou preso numa cela comum em Salvador, na Bahia, até que a Polônia desistisse de formalizar o pedido de extradição. A prisão do polonês durou quatro meses. Seu advogado não era o petista Luiz Eduardo Greenhalgh. 

Patrão perde casa própria para pagar dívida com doméstico


por CLARA ROMAN

Famílias que tenham dívidas trabalhistas com empregados domésticos podem perder seu único imóvel em penhora, de acordo com exceção prevista na lei 8.009, da impenhorabilidade.

Editada em 1990, a lei foi feita para evitar que pessoas endividadas perdessem suas residências em execuções judiciais. Assim, caso o proprietário consiga comprovar que o imóvel posto em penhora é seu único bem, a execução é suspensa.

Dívidas trabalhistas em geral não permitem a penhora do bem único, mas, quando a dívida se refere a empregados domésticos, o confisco é permitido pela lei -as outras exceções que permitem a perda da casa própria são ligadas a financiamento, hipoteca ou dívida de pensão (veja arte ao lado).

A discussão voltou à tona com a aprovação da PEC das domésticas, que expande os benefícios dos empregados domésticos no país, com consequente aumento dos encargos trabalhistas.

MAIS DISCUSSÕES

Segundo o advogado Marcos Serra Netto Fioravanti, do escritório Siqueira Castro Advogados, as novas regras para o trabalhador doméstico não alteram em nada a lei da impenhorabilidade.

"Apenas vai aumentar o número de discussões sobre esse tema, porque os direitos das domésticas foram ampliados", afirma.

Na Justiça, já existem várias decisões nesse sentido. É o caso de Eugênio Araújo Curi, de Barbacena (MG). No ano passado, Curi teve sua única residência penhorada depois que sua ex-empregada doméstica, Neuza Rita Cabral, ganhou na Justiça o direito de receber R$ 17 mil relativos a dívidas trabalhistas do período em que trabalhou para Curi.

Depois de penhorado, o apartamento de Curi foi vendido por cerca de R$ 120 mil, segundo Ítalo Paulucci, advogado que defendeu Cabral. O dinheiro foi dividido entre a ex-empregada, a Previdência Social e a administradora do condomínio, que também eram credores de Curi.

Segundo Paulucci, Curi devia a Cabral pagamento de férias, 13º salário, parcelas do INSS e salários atrasados.

A empregada ainda tentou dois acordos com o ex-patrão, ambos desrespeitados, segundo o advogado. Só então entrou com o pedido de penhora.

Antes da penhora do imóvel, a Justiça tentou, sem sucesso, confiscar débitos na conta bancária de Curi e efetuou rastreio na tentativa de encontrar um automóvel no nome do devedor, esforço também infrutífero.

Por fim, realizou a execução da penhora do apartamento onde Curi residia, no centro de Barbacena.

Curi ainda tentou recurso na segunda instância, julgado improcedente pela Turma Recursal em Juiz de Fora do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais.

O processo começou em 2010, mas Cabral conseguiu reaver o que lhe era devido apenas no início deste ano, uma vez que o dinheiro só foi repassado depois de toda a tramitação legal da venda do imóvel.

  Editoria de Arte/Folhapress  
Fonte: Folha Online - 09/04/2013

"A empregada tem empregada"

  autoria de VIVIAN MARASSI    (Mídia Sem Máscara)- 02.04.2013

     (Este não é um texto de crítica à PEC das domésticas; é apenas uma análise sobre o quanto o governo
    tem sufocado a classe média.)

   A empregada em questão sou eu. Assalariada, cumpro horário, pago todos os impostos que me são cobrados.    Contratei uma empregada há muitos anos e desde então pude perceber o quanto é difícil para uma empregada (eu) manter uma empregada (ela). O meu salário não é vinculado ao salário-mínimo. O salário-mínimo tem aumento uma vez por ano, e o meu, não. Para ser mais exata, o salário-mínimo aumentou seis vezes seguidas nos últimos anos, sem que o meu tenha aumentado. Com empregados assalariados, como eu, muitas vezes funciona assim.

   Há seis anos, o salário-mínimo equivalia a cerca de R$ 350,00. Hoje equivale a quase R$ 800,00, um aumento de mais de 100%. Aumentando o salário-mínimo, aumenta também a contribuição previdenciária, hoje calculada em mais de R$ 120,00 por mês. A cada mês, o Governo Federal rouba uma bela fatia do meu salário, a título de "contribuição" para o Imposto de Renda. É um furto consentido, sou "contribuinte". E sequer um mísero centavo da mensalidade que eu "cedo gentilmente" para o Governo Federal reverte em algo proveitoso para mim. Não reverte em nada, absolutamente nada.

   A saúde é um caos - na cidade onde moro, há déficit diário de mais de 80 vagas em UTI. A fila vai andando à medida que os da frente vão morrendo. Para não me arriscar, pego então parte do salário que o Governo não furtou e aplico na mensalidade de um plano de saúde.

   A educação é outro caos, então lá vai outra (grande) parte do salário que restou e aplico na mensalidade de uma escola particular para os meus filhos. Qualquer empregado, portanto, sente-se em uma daquelas corridas de cavalo do programa do Bozo de 1900-e-bolinha. Nós somos o cavalo retardatário, aquele que fica para trás vendo passarem por ele todos os outros cavalos. O nosso salário está aqui, nesse mesmo valor há anos, e passam correndo por nós todos os aumentos mensais, semestrais, anuais. A lata de leite Ninho custava R$ 4,00, agora custa R$ 10,00. A escola aumentou 10%.

   O plano de saúde aumentou 8%. E seu salário lá, correndo atrás, em último lugar. É especificamente por esse motivo que a PEC das empregadas domésticas tem gerado tantos comentários negativos por parte da classe média. Fomos equiparados às empresas comuns sem termos os mecanismos e benefícios que elas possuem para reverter o impacto causado por qualquer aumento na folha de pagamento ou na carga tributária. As empresas repassam para o preço final do produto ou serviço oferecido todos os aumentos que oneram o seu custo de produção/manutenção. Como as famílias não são empresas, elas não possuem esses mecanismos. Qualquer aumento nos gastos com a manutenção da empregada doméstica precisa ser absorvido pelos próprios patrões. Além disso, as empresas possuem diversos benefícios fiscais concedidos pelo Governo, não extensíveis às famílias - o que irá gerar, inclusive, grandes discussões judiciais, haja vista que os empregadores domésticos, tendo sido equiparados às empresas comuns, deverão buscar judicialmente a equiparação dos direitos, em nome da proteção ao princípio da igualdade.

   Não somos escravocratas. Não somos "elite" (quem nos dera... nem estaríamos ligando para essa PEC).
   Não somos opressores. Nossa reclamação não é fruto do desejo de permanência da escravidão - como certos sociólogos andam dizendo em entrevistas concedidas por aí. Somos apenas assalariados que têm plena consciência de que, com o aumento galopante do salário-mínimo a cada ano, com as mordidas do Imposto de Renda em nossos salários, com os gastos que temos com saúde e educação em razão da total ineficiência do Governo, com a inflação real e concreta que temos percebido nos últimos tempos etc., não teremos condições de manter nenhuma empregada doméstica em nossa residência.

   E isso é ruim para nós? Sim, claro, é uma perda de conforto que possivelmente será minimizada com a contratação de diaristas eventuais. Mas isso é nada perto da perda que poderão sofrer as empregadas atualmente contratadas. Caso algum dia, por força de todos esses fatores, eu não possa mais manter a minha empregada, ela terá que demitir também a empregada dela. Seu esposo é doente, aposentado por invalidez, e fica sob os cuidados da empregada que ela contratou - sem carteira assinada, sem direitos reconhecidos, sem ganhar sequer metade de um salário-mínimo, mas é uma moça que precisa desse dinheiro que a minha empregada tem a oferecer para ela.

   A empregada da empregada da empregada.

   PS: Ao falar "minha empregada", pessoa nenhuma demonstra com essa expressão o
       "sentimento elitista de posse sobre o escravo", como andam dizendo por aí.
       É "minha empregada" do mesmo jeito que falamos "o meu chefe", "a minha gerente", "o meu amigo".
       Patrulhamento cego gera mais danos do que benefícios à causa defendida.

Desembargador mandava 'torpedos' para pedir dinheiro


Arthur Del Guércio Filho, que está afastado do cargo, enviou 23 torpedos para duas advogadas; em uma das mensagens pedia 35 000 reais

Tribunal de Justiça de São Paulo
O desembargador foi afastado da 15ª Câmara de Direito Público do TJ-SP por suspeita de corrupção (Gedeão Dias/TJSP)
 
Uma sequência de 23 torpedos enviados para os celulares de duas advogadas de Campinas é indício contra o desembargador Arthur Del Guércio Filho, afastado cautelarmente da 15ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) por suspeita de corrupção. As mensagens foram redigidas no celular do próprio magistrado e endereçadas às advogadas Maria Odette Ferrari Pregnolatto e Giovanna Gândara Gai, de um escritório de Campinas, no interior de São Paulo.

"Do TJ foram suspensos alguns pagamentos de férias atrasadas a que tenho direito e isso me deixou numa situação aflitiva", escreveu o desembargador Del Guércio, a 9 de maio de 2012, às 14h34. "Por isso me atrevo a perguntar se a sra poderia me emprestar 35 000 reais por sessenta dias, com o inconveniente que precisaria ser para amanhã." Depois, insistiu. "Qualquer que seja sua resposta tenho certeza que nenhum de nós misturará as coisas, pois o pedido é pessoal, nada mais. Me desculpando (sic) pelo incômodo, aguardo ansioso sua resposta. Abs." 

Maria Odette, de 65 anos, integra o Tribunal de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Campinas. Acumula quarenta anos de experiência como procuradora municipal e advogada. Por cautela, gravou as correspondências. "Fiquei muito indignada. Não emprestei dinheiro e não respondi", conta.

Dúvida – Ela defende uma pessoa jurídica em mandado de segurança relativo a questão de ordem tributária. No último dia 21 de março, Del Guércio ligou para o escritório de Maria Odette e pediu a ela que fosse ao seu gabinete, no prédio do TJ-SP da Avenida Ipiranga, no centro da capital. "Ele disse que estava com dúvida sobre a perícia contábil", relata a advogada. "Fui à sala dele, mas ali não falou sobre dinheiro. Mal deixei o tribunal e veio torpedo."

"Dra, bom dia", iniciou o magistrado. "Depois que a sra saiu tive uma péssima notícia e constrangido gostaria de saber se poderia me ajudar. Amanhã entraria um pagamento do tribunal, mas ele só será feito no dia 5 de abril. O valor é 19 800 reais. A sra poderia me emprestar esse valor até aquela data? Me desculpe pela amolação. Me dê um retorno, por favor (sic)."

Ao fim do texto, às 11h53, ele anotou. "Ah, já localizei o feito e o julgamento será simultâneo, mas sem qualquer relação com o meu pedido, creia." Às 17h52 ele cobrou. "Dra, alguma posição?"
"Tenho medo do que possa ocorrer com meu cliente, mas como não podia tomar providências?", argumenta Maria Odette, que segunda-feira foi à Presidência do TJ-SP, denunciou o desembargador e entregou cópia da sucessão de torpedos.

Assédio – Além de seu relato e do depoimento de Giovanna, confirmam a ação de Del Guércio outros três advogados a quem ele teria solicitado dinheiro. Maria Odette disse que "nunca deu abertura" para que Del Guércio fizesse tais pedidos. "Nunca vi uma coisa dessas e tem um agravante porque ele até assediou a Giovanna, uma advogada jovem e bonita."

O assédio está em duas mensagens a Giovanna, de 31 anos. A primeira, data de 9 de maio de 2012, às 12h12. "Gostei muito de falar com você. Seu jeito meigo me cativou. Sei das grandes diferenças que existem em nossas vidas, mas posso lhe perguntar se não podemos almoçar juntos um dia desses? O que acha da ideia? Estou aguardando sua visita. Beijos." No dia seguinte, às 9h40: "Giovanna, bom dia. Você não me respondeu ontem. Te assustei? (sic)"

"É uma frustração grande", diz Giovanna. "A gente estuda, vai atrás de jurisprudências e aí você vê todo esse trabalho jogado no ralo. Ainda assim existem os bons, e a gente acredita na Justiça. Talvez tenha acontecido com mais pessoas." O criminalista José Luís Oliveira Lima, que nesta quinta-feira assumiu a defesa de Del Guércio, não comentou as acusações.

Investigação – A Procuradoria-Geral de Justiça abriu inquérito civil para investigar o desembargador por improbidade e enriquecimento ilícito. A apuração inclui quebra de sigilo bancário e fiscal do magistrado. A procuradoria quer devassar os dados relativos ao período em que Del Guércio ocupou assento na 15ª Câmara de Direito Público. Serão ouvidos todos os advogados que relatam ter recebido solicitações de dinheiro. Para o procurador-geral, Márcio Fernando Elias Rosa, a conduta de Del Guércio, em tese, atenta contra os princípios da administração pública, "revelando o descumprimento dos deveres de legalidade, moralidade e lealdade à instituição", em violação aos artigos nove e onze da Lei nº 8.429/92 (Improbidade).
A Polícia Federal vai investigar "eventual prática de crime". A ordem é do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que atendeu o presidente do TJ-SP, Ivan Sartori. Em âmbito penal, Del Guércio tem foro privilegiado perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Mesmo afastado, ele vai receber os vencimentos, cerca de 30 000 reais mensais.

O juiz Aloísio Sérgio Rezende assumiu a vaga de Del Guércio. A Corregedoria Geral do TJ-SP vai fazer um pente-fino em todas as ações que estavam sob responsabilidade do desembargador afastado. A meta é rastrear todas as demandas em que ele se manifestou. As causas em que ele atuava como relator, revisor ou terceiro juiz foram tiradas de pauta. 

(Com Estadão Conteúdo)