Arthur Del Guércio Filho, que está afastado do cargo, enviou 23 torpedos para duas advogadas; em uma das mensagens pedia 35 000 reais
O desembargador foi afastado da 15ª Câmara de Direito Público do TJ-SP por suspeita de corrupção
(Gedeão Dias/TJSP)
Uma sequência de 23 torpedos enviados para os celulares de duas advogadas de Campinas é indício contra o desembargador Arthur Del Guércio Filho,
afastado cautelarmente da 15ª Câmara de Direito Público do Tribunal de
Justiça de São Paulo (TJ-SP) por suspeita de corrupção. As mensagens
foram redigidas no celular do próprio magistrado e endereçadas às
advogadas Maria Odette Ferrari Pregnolatto e Giovanna Gândara Gai, de um
escritório de Campinas, no interior de São Paulo.
"Do TJ foram suspensos alguns pagamentos de férias atrasadas a que
tenho direito e isso me deixou numa situação aflitiva", escreveu o
desembargador Del Guércio, a 9 de maio de 2012, às 14h34. "Por isso me
atrevo a perguntar se a sra poderia me emprestar 35 000 reais por
sessenta dias, com o inconveniente que precisaria ser para amanhã."
Depois, insistiu. "Qualquer que seja sua resposta tenho certeza que nenhum de nós
misturará as coisas, pois o pedido é pessoal, nada mais. Me desculpando
(sic) pelo incômodo, aguardo ansioso sua resposta. Abs."
Maria Odette, de 65 anos, integra o Tribunal de Ética da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB) em Campinas. Acumula quarenta anos de
experiência como procuradora municipal e advogada. Por cautela, gravou
as correspondências. "Fiquei muito indignada. Não emprestei dinheiro e
não respondi", conta.
Dúvida – Ela defende uma pessoa jurídica em mandado de segurança
relativo a questão de ordem tributária. No último dia 21 de março, Del
Guércio ligou para o escritório de Maria Odette e pediu a ela que fosse
ao seu gabinete, no prédio do TJ-SP da Avenida Ipiranga, no centro da
capital. "Ele disse que estava com dúvida sobre a perícia contábil",
relata a advogada. "Fui à sala dele, mas ali não falou sobre dinheiro.
Mal deixei o tribunal e veio torpedo."
"Dra, bom dia", iniciou o magistrado. "Depois que a sra saiu tive uma
péssima notícia e constrangido gostaria de saber se poderia me ajudar.
Amanhã entraria um pagamento do tribunal, mas ele só será feito no dia 5
de abril. O valor é 19 800 reais. A sra poderia me emprestar esse valor
até aquela data? Me desculpe pela amolação. Me dê um retorno, por favor
(sic)."
Ao fim do texto, às 11h53, ele anotou. "Ah, já localizei o feito e o
julgamento será simultâneo, mas sem qualquer relação com o meu pedido,
creia." Às 17h52 ele cobrou. "Dra, alguma posição?"
"Tenho medo do que possa ocorrer com meu cliente, mas como não podia
tomar providências?", argumenta Maria Odette, que segunda-feira foi à
Presidência do TJ-SP, denunciou o desembargador e entregou cópia da
sucessão de torpedos.
Assédio – Além de seu relato e do depoimento de Giovanna,
confirmam a ação de Del Guércio outros três advogados a quem ele teria
solicitado dinheiro. Maria Odette disse que "nunca deu abertura" para
que Del Guércio fizesse tais pedidos. "Nunca vi uma coisa dessas e tem
um agravante porque ele até assediou a Giovanna, uma advogada jovem e
bonita."
O assédio está em duas mensagens a Giovanna, de 31 anos. A primeira,
data de 9 de maio de 2012, às 12h12. "Gostei muito de falar com você.
Seu jeito meigo me cativou. Sei das grandes diferenças que existem em
nossas vidas, mas posso lhe perguntar se não podemos almoçar juntos um
dia desses? O que acha da ideia? Estou aguardando sua visita. Beijos."
No dia seguinte, às 9h40: "Giovanna, bom dia. Você não me respondeu
ontem. Te assustei? (sic)"
"É uma frustração grande", diz Giovanna. "A gente estuda, vai atrás de
jurisprudências e aí você vê todo esse trabalho jogado no ralo. Ainda
assim existem os bons, e a gente acredita na Justiça. Talvez tenha
acontecido com mais pessoas." O criminalista José Luís Oliveira Lima,
que nesta quinta-feira assumiu a defesa de Del Guércio, não comentou as
acusações.
Investigação – A Procuradoria-Geral de Justiça abriu inquérito
civil para investigar o desembargador por improbidade e enriquecimento
ilícito. A apuração inclui quebra de sigilo bancário e fiscal do
magistrado. A procuradoria quer devassar os dados relativos ao período
em que Del Guércio ocupou assento na 15ª Câmara de Direito Público.
Serão ouvidos todos os advogados que relatam ter recebido solicitações
de dinheiro. Para o procurador-geral, Márcio Fernando Elias Rosa, a
conduta de Del Guércio, em tese, atenta contra os princípios da
administração pública, "revelando o descumprimento dos deveres de
legalidade, moralidade e lealdade à instituição", em violação aos
artigos nove e onze da Lei nº 8.429/92 (Improbidade).
A Polícia Federal vai investigar "eventual prática de crime". A ordem é
do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que atendeu o presidente
do TJ-SP, Ivan Sartori. Em âmbito penal, Del Guércio tem foro
privilegiado perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Mesmo
afastado, ele vai receber os vencimentos, cerca de 30 000 reais mensais.
O juiz Aloísio Sérgio Rezende assumiu a vaga de Del Guércio. A
Corregedoria Geral do TJ-SP vai fazer um pente-fino em todas as ações
que estavam sob responsabilidade do desembargador afastado. A meta é
rastrear todas as demandas em que ele se manifestou. As causas em que
ele atuava como relator, revisor ou terceiro juiz foram tiradas de
pauta.
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