Por Daniel Maia e Maria Ludmila C. Ipiranga
O
Brasil é um país muito privilegiado por possuir um grande número de
recursos naturais, incluindo os recursos hídricos, minerais, animais e
vegetais. Este país também possui vários biomas: a Caatinga, a Mata
atlântica, o Cerrado, a Mata dos Cocais, entre outros. Entretanto,
aquele bioma que desperta mais curiosidade e atenção de todos é a
Floresta Amazônica.
Essa floresta abrange aproximadamente 49% do território nacional
[1].
Possui uma imensa variedade em espécies animais e vegetais, despertando
grandes interesses internacionais, pois sua importância econômica é
bastante reconhecida. Essa relevância financeira da floresta parte do
interesse de empresas em utilizar, de forma ilegal, a matéria genético
presente na Amazônia para o desenvolvimento de produtos, como
medicamento, cosméticos, gêneros alimentícios, entre outros.
Observa-se
que o interesse de estrangeiros nos recursos naturais brasileiros não
se restringe aos tempos atuais, faz-se presente ao longo da História
brasileira desde o descobrimento do país até os dias atuais. Na
pré-colônia, houve o grande interesse econômico por parte de nações
estrangeiras no pau-brasil. A exploração dessa árvore foi intensa, os
interessados na árvore ofereciam aos nativos objetos de valor
insignificante para estes colaborarem com essa exploração.
A
biopirataria caracteriza-se pela a retirada e utilização ilegal de
recursos naturais ou de conhecimentos tradicionais sem o devido
pagamento e reconhecimento daquele que detém sua posse. É possível
observar outros casos na História do Brasil, como os das ‘Drogas do
Sertão’, no qual muitas plantas e frutas brasileiras foram enviadas para
o exterior, além de ter ocorrido a utilização do conhecimento de
comunidades tradicionais sobre o manejo desses recursos naturais, os
estrangeiros apossando-se disso para desenvolverem produtos e lucrarem.
Depois
do pau-brasil no século XVI, das drogas do Sertão nos séculos XVII,
revela-se um novo produto que despertou a cobiça de outros países: a
borracha. No final do século XIX e início do século XX desenvolve-se no
Brasil o Ciclo da Borracha, havendo a expansão produtiva dessa
matéria-prima. Muitas pessoas foram trabalhar no Norte do Brasil e
observou-se um surto industrial nessa região.
Desde antes a
biopirataria já trazia sérios prejuízos ao país, como se conclui com o
declínio do Ciclo da Borracha, pois esse fato foi um resultado direto do
plantio de seringais pelos ingleses em países asiáticos e africanos
como na Malásia e no Ceilão, com sementes retiradas de plantas da
própria Amazônia.
Um dos casos que obteve grande repercussão foi a
patente da famosa e tradicional fruta da Região Norte: o açaí. Esse
produto foi patenteado por uma empresa japonesa chamada K.K Evyla
Corporation
[2],
desde 2003. A embaixada brasileira reuniu os Ministérios das Relações
Exteriores e Indústria e Comércio para conseguir alertar sobre esse e
outros registros indevidos de patentes.
O Brasil obteve sucesso
nesse caso, a empresa japonesa cancelou seu pedido de patente. No
entanto, no caso de patentes mais antigas, as chances que o mesmo
acontece, mostram-se mínimas. Esses casos agravam-se por não haver uma
legislação específica, a qual enquadre a prática da biopirataria como um
crime propriamente dito.
Repressão à biopirataria
Lei 9.279, de 14 de maio de 1996
Conhecida também como Lei de Patentes possui como meta o que está claramente definido no
caput de seu artigo 1º:
esta Lei regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Ou
seja, essa lei tem o objetivo de definir diretrizes a serem seguidas
para o reconhecimento e a proteção das propriedades industriais.
É
possível observar que com a Lei 9.279 aumentaram as regras e a
burocracia para o reconhecimento de patentes, além de se estabelecer
mais normas para resguardar e zelar pela propriedade daquilo que foi
patenteado. Representou um ganho para a legislação o estabelecimento de
regulamentos para essa prática, entretanto, há sérias problemáticas
ainda a serem solucionadas, como o fato do processo para registro de
patentes não se apresentar de forma rápida e efetiva, além do excesso
burocrático para obter o registro.
Os fatos comprovam que se leva
11 anos para a obtenção do registro de patente. Esse prazo era o dobro,
levava-se 22 anos para a obtenção desse registro, a redução do prazo foi
um ganho do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI)
[3].
Apesar da diminuição do prazo de registro, ainda se revela o imenso
atraso diante desse processo, pois só se pode realizar pesquisas com os
materiais ou produtos com a liberação do registro. Com isso, conclui-se
que devido à ineficácia e ao atraso na análise, registro e liberação das
patentes, o porquê da prática da biopirataria ser tão recorrente no
Brasil.
Lei 9.605 de 12 de fevereiro de 1998
A Lei 9.605/98 é conhecida como a Lei de Crimes Ambientais. Sua criação
objetivava a tipificação das condutas consideradas infratoras realizadas
contra o meio ambiente que, antes dessa lei, não havia seu
enquadramento no Direito. Buscou-se a formulação e a aplicação de
punições penais e administrativas àqueles que violarem a manutenção e
conservação do meio ambiente brasileiro.
A Lei 9.605/98 busca seguir o princípio do poluidor-pagador, presente no artigo 225º, parágrafo 3º da Constituição Federal:
as
condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão
os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e
administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos
causados. Ou seja, é fundamental para esse princípio que
norteia a legislação ambiental à reparação do dano causado. Essa lei,
também, estabelece os valores de multas entre R$50 e R$50 milhões como
mais uma prerrogativa para evitar os danos ambientais.
Apesar de
algumas problemáticas, a Lei 9.605/98 busca punir qualquer indivíduo que
desrespeite o meio ambiente, incluindo pessoa física ou jurídica, que
venha a cometer alguma infração, a qual pratique agressão ao bem
ambiental juridicamente protegido, considerando qualquer que seja esse
ato cometido.
Medida Provisória 2.186-16 de 23 de agosto de 2001
A medida provisória possui o objetivo de complementar os dispositivos do
ordenamento jurídico que se apresentam sem um sentido completo ou sem
especificidade, mas que possuem grande relevância jurídica. A medida
provisória possui força de lei, entretanto, por não ter passado por um
processo legislativo, não se pode nomeá-la como uma lei propriamente
dita.
A Medida Provisória 2.186-16/2001 apresenta como objetivo
primordial a defesa, a conservação e a preservação do patrimônio
genético brasileiro
[4],
voltando-se para a proteção do meio ambiente. Essa medida busca
garantir, inclusive, a divisão de lucros obtidos por empresas
estrangeiras através da utilização e do manuseio do patrimônio genético
provenientes do Brasil.
O Brasil apesar de ter umas das maiores
biodiversidades do mundo, mostrou-se atrasado na formulação de uma
legislação específica, que se apresente de encontro com a prática da
biopirataria. A falta de valorização e de interesse social na
diversidade biológica brasileira revela-se como uns dos principais
motivos para a falta de normas que regulamentem ou, ao menos, garantam a
preservação ambiental.
A MP 2.186-16/2001 não sana todos os
problemas brasileiros direcionados ao meio ambiente, decorrentes de anos
de atraso legislativo e de práticas lesivas. Há ainda alguns
problemáticas que tal medida não soluciona, pois não considera,
explicitamente, a biopirataria como um crime ambiental,
consequentemente, não enquadrando, à tal fato, sanções específicas.
Lei 11.105 de 24 de março de 2005
A Lei 11.105, também conhecida como Lei da Biossegurança, passou a
tratar sobre temas mais recentes, que ganham mais destaque na vida da
sociedade, com a introdução de novas descobertas com o passar dos anos,
temas que não foram abordados com a devida eficácia em legislação
própria e não incluíam a existência dessas descobertas antes da criação
dessa lei.
A Lei de Biossegurança revogou a Lei 8.974, de 5 de
janeiro de 1995, ambas tratando a respeito da biotecnologia, a qual
abrange áreas como: engenharia genética, biossegurança e ramos derivados
destes. Os assuntos principais legislados nessa lei referem-se aos
organismos geneticamente modificados (OGM’s), também conhecidos como
transgênicos, e à pesquisa científica com células-tronco. Diferente da
Lei 8.974, a nova lei criou, inclusive, o Conselho Nacional de
Biossegurança e uma Comissão Técnica Nacional de Biossegurança para
regulamentar e fiscalizar os processos científicos desenvolvidos.
Alguns
juristas tecem críticas sobre a Lei 11.105, alegando a existência de
uma vasta quantidade de temas, muitas desses assuntos são passíveis de
longas e abrangentes discussões, tais juristas aconselham a enquadrar
determinados aspectos das temáticas abordadas na Lei de Biossegurança em
leis específicas, as quais tratarão apenas sobre um ponto determinado
do assunto.
Prejuízo econômico
A prática da biopirataria apresenta-se cada vez mais recorrente
para propiciar, em especial, o desenvolvimento de produtos, que buscam
atender e sanar as exigências do mercado consumidor mundial. O lucro
obtido com essa prática gira em torno de bilhões, os quais não são
repassados como
royalties para o Brasil. Este perde quantias consideráveis e pouco faz para não haver esse prejuízo econômico.
Pode-se
observar o objetivo primordial da legislação ambiental, está em buscar,
primeiramente, a preservação e a manutenção da natureza. A seguir,
preocupam-se em fazer com que aquele indivíduo que veio a causar algum
dano ao meio ambiente, busque de todas as formas cabíveis realizar o
reparo necessário correspondente, proporcionalmente, ao dano causado, e,
apenas, depois de conclusas esses seguimentos, é que irá se aplicar uma
sanção, muitas vezes de caráter administrativo, como uma multa.
As
penas estabelecidas para quem pratica crimes contra a natureza são
relativamente brandas. As multas, apesar de apresentarem um elevado
valor, podendo alcançar quantias em milhões, ainda são consideradas
leves por aqueles que se apossam de recursos naturais ou práticas
tradicionais, possuindo lucros, que podem chegar a bilhões. Além disso,
sanções de seis a doze meses não são proporcionais quando no caso de
graves crimes contra os bens naturais brasileiros.
A Lei de Crimes
Ambientais não possui, de forma clara e direta, a tipificação de
condutas da prática de biopirataria. Com isso, a Lei 9.605/98 não se
apresenta de forma eficaz e efetiva para enquadrar e deferir penalidades
sobre os crimes de biopirataria, dependendo de uma visão extensiva do
jurista para enquadrar a biopirataria como crime. Dessa forma torna-se
mais difícil ocorrer à repressão a esse delito, o país continuando a
prejudicar-se em vários setores, inclusive no econômico.
Há a
necessidade da sociedade, dos políticos e de todos os cidadãos
brasileiros realmente voltarem seus esforços para a preservação do rico e
vasto patrimônio natural brasileiro. Pressionar o governo para
acrescentar artigos, que vissem a inclusão da biopirataria como um
crime, tornando a legislação nacional mais específica. É fundamental,
também, o aumento da fiscalização e das políticas de defesa ao meio
ambiente.
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