Por José Luiz de Sanctis - Coordenador Nacional de Pela Legítima Defesa
Após este artigo, segue pertinente comentário do jurista Prof. Dr. Adilson
de Abreu Dallari, publicado no mesmo jornal em 18/10/2006, quando a
aposentada Maria Dora dos Santos Arbex, de 67 anos, baleou na mão um bandido
que, armado com uma faca, tentou roubá-la numa praça do Rio de Janeiro e
corria o risco de ser processada por lesão corporal ao bandido (imagine!) e
porte ilegal de arma, pois o revólver pertencia a uma filha dela. Na ocasião
ela foi agraciada com a Medalha “Pedro Ernesto” na Câmara dos Vereadores do
Rio.
Não existe legítima defesa?
O Estado de S.Paulo, 30 de junho de 2012
O anacronismo da legislação penal e processual penal do País vem gerando
situações absurdas, levando cidadãos inocentes, que reagiram a criminosos
que os assaltavam à mão armada, a serem processados por crime de homicídio
doloso triplamente qualificado.
Só este mês, ocorreram três casos semelhantes. Um aconteceu numa joalheria
de Porto Alegre, onde o proprietário, reagindo a um assalto no momento em
que abria o estabelecimento, baleou um dos criminosos, que acabou morrendo.
Outro caso aconteceu numa tarde de sábado no centro da cidade de Caxias do
Sul.
Surpreendida em seu apartamento por um ladrão que a ameaçava com uma faca
de cozinha, uma senhora de 86 anos tirou da gaveta um revólver calibre 32
que pertencera a seu marido e que estava sem uso há mais de 30 anos e o
matou com três disparos.
O terceiro caso aconteceu na região de Cidade Dutra, na zona sul de São
Paulo. Rendido em sua loja por dois assaltantes e levado até um banheiro, um
comerciante de produtos de informática aproveitou um momento de distração
dos bandidos, sacou uma pistola Glock 380 que guardava na mochila e disparou
contra os bandidos. Um deles também disparou um revólver calibre 32. Os
bandidos foram feridos e morreram logo após dar entrada no Pronto-Socorro do
Grajaú. A loja já havia sido assaltada oito vezes nos últimos três anos.
Apesar de terem agido em legítima defesa, nos três casos as vítimas dos
assaltantes podem se converter em réus de ações criminais, correndo o risco
de serem condenadas a penas privativas de liberdade a serem cumpridas em
prisões de segurança máxima, o que representa uma absurda inversão de
valores.
Por não ter registro de arma, por exemplo, a idosa de Caxias do Sul está
sendo indiciada por crime de homicídio doloso – quando há intenção de matar.
Pela legislação processual penal em vigor, explicou o delegado responsável
pelo caso, sua tarefa é apenas elaborar o inquérito criminal e enviá-lo para
a Justiça. A propositura de uma ação penal cabe ao Ministério Público e o
acolhimento do pedido e a posterior condenação ou absolvição da acusada são
de responsabilidade de um juiz criminal.
Já os proprietários da joalheira de Porto Alegre e da loja de informática
de São Paulo tinham suas armas registradas pela polícia, como manda a Lei do
Desarmamento. Apesar disso, os delegados responsáveis pelo inquérito
criminal deixaram-se levar por um formalismo que parece exagerado.
No caso do comerciante paulista, por exemplo, o delegado colocou em dúvida
a tese de legítima defesa e, alegando indícios de “reação excessiva” e
“excesso doloso”, pois um dos assaltantes era menor de idade, prendeu o
comerciante na carceragem da delegacia. As testemunhas relataram que os
assaltantes agiram com violência e que, após o tiroteio, o comerciante
esperou a chegada da polícia, apresentou a arma e prestou depoimento.
“Quanto à possibilidade do reconhecimento da legítima defesa, submeto à
apreciação do Poder Judiciário, ouvindo representantes do Ministério
Público”, disse o delegado responsável pelo inquérito.
Ficou evidente que a idosa e os comerciantes apenas reagiram, defendendo seu
patrimônio e sua vida. Como imputar exagero na reação que tiveram ao ter a
vida ameaçada? Por que indiciá-los e convertê-los em réus, obrigando-os a
gastar a poupança de uma vida para contratar advogados de defesa, uma vez
que eram pessoas honestas colocadas sob risco em suas residências e locais
de trabalho?
Apesar de serem obrigados a observar a legislação processual penal, que tem
mais de 70 anos, por que os delegados de polícia se deixaram levar por tanto
formalismo?
A falta de bom senso na interpretação das leis propicia, assim, um cenário
surrealista, no qual têm direitos os bandidos, devendo as vítimas de atos
criminosos curvar-se à vontade de seus algozes. E quem se defende dentro de
sua própria casa vai para a cadeia por ter ferido um criminoso. Não existe
mais legítima defesa?
Comentário do jurista Dr. Adilson de Abreu Dallari
Punir a vítima é um absurdo incompatível com a boa interpretação da lei.
Cabe ao juiz, diante do caso concreto, com prudência e sensibilidade
jurídica corrigir as aparentes distorções da lei.
No caso da senhora que atirou no assaltante, o princípio jurídico elementar
e fundamental que protege a vida e consagra a legítima defesa anula o
suposto crime por ele cometido. O fato, em sí, da tentativa de assalto
legitima o uso da arma, pois, diante de tamanha evidência, nem cabe discutir
se ele precisava ou não andar armada.
A posse da arma é uma circunstância elementar ao uso (ela não poderia ter
usado se não estivesse com a arma) e o bom uso feito, o uso para a
autodefesa necessária, com toda moderação, não pode ser tido como indevido,
pois serviu para proteger valores especialmente amparados pela Constituição.
Em síntese, logicamente, algo não pode ser e não ser ao mesmo tempo: quem
atua em legítima defesa não comete crime algum. Aliás, a legislação italiana
e a de diversos Estados norte-americanos já declaram, expressamente, que não
comete crime quem atira em assaltante que estiver no interior de sua
residência e local de trabalho.
Como se sabe, a vida no Primeiro Mundo vale bem mais do que no Terceiro.